quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O Balconista



“Só porque eles te servem, não significa que eles gostam de você”.

Você já imaginou o que passa na vida e na cabeça de quem trabalha como balconista em lojas de conveniência ou locadoras? Eles podem estar passando por um dia horrível e os clientes chatos só aparecem lá para piorar a coisa. E se a vida for como esse filme mostra, esses dias podem ser mais recorrentes do que parece.

Mas o que esperar de um filme independente de 1994, filmado em preto em branco, tom teatral, passado inteiro numa loja de conveniência, com diálogos e situações que são verdadeiras odes ao nerdismo, e vão do tocante ao bizarro? Um filme cru e sincero sobre o começo da vida adulta? Um filme sexista cheio de palavreado de baixo calão, mas, ao mesmo tempo, que nos dá uma visão fria, porém sincera e sentimental das relações humanas.  Ora, senão é uma das melhores comedias já feitas!

Dante Hicks (Brian O’Halloran) , o personagem central O Balconista, trabalha numa loja de conveniência em Leonardo, New Jersey. Deveria ser seu dia de folga, mas um colega está doente e ele tem que cobrir o expediente, o que estragou seu jogo de hockey à tarde. .Alguém colocou chiclete na fechadura da vitrina da loja, fazendo-o colar por cima um cartaz escrito que estavam abertos e ficar com  cheiro da graxa que usou para escrever o cartaz pelo resto do dia.

No mesmo dia, Dante acaba descobrindo que sua ex-namorada irá se casar com outro, outra ex faleceu e ele ainda tem sérios problemas com a atual, pois descobre que ela só dormiu com quatro caras na vida (incluindo ele), mas fez sexo oral com trinta e oito (incluindo ele). Fora isso, ele enfrenta um dia no trabalho no qual, a cada hora que passa, encontra pessoas mais bizarras, irritantes, e que criam situações surreais e cômicas, mas que parecem ser recorrentes em sua vida.

Esse dia, de extrema má sorte é o que iremos acompanhar neste engraçado filme. Onde surgem os mais diversos personagens estranhíssimos, que vem e vão, como o maluco que faz de tudo para encontrar a dúzia perfeita nas caixas de ovos, ou o vendedor de chiclete que faz um levante antitabagista.

E talvez a cereja do bolo seja Randal Graves( Jeff Anderson), o melhor amigo de Dante e que trabalha na videolocadora ao lado. O melhor personagem do filme,é uma maquina de soltar tiradas ácidas aos fregueses chatos que aparecem. Maltratando-os de forma cruel e hilária com suas atitudes e palavreado.



O filme se movimenta muito pelos diálogos dos personagens e suas consequências.  Algo meio teatral em certos momentos. Em muitas cenas, a câmera fica parada lá, apenas deixando os atores fazerem seu trabalho e os  longos diálogos ditarem o tom da ação. E esses diálogos são certamente algo que vai do tocante ao bacanal puro, misturando relacionamentos e a vida de trabalho com um segredo obscuro no filme O retorno de Jedi, e ate pornô com hermafroditas.

 Mesmo não mostrando nenhuma nudez  ou violência, e sua única (e bizarra) cena de sexo não seja exibida on-screen, o filme não tem medo de pegar pesado na linguagem e no clima quando necessário. Apesar de que é tudo tão bizarro e circunstancial que você vai acabar rindo, como rola com Napoleon Dynamite ou Superbd.

 Aliás, O Balconista é considerado um dos grandes precursores das comédias nonsense (o chamado besteirol por aqui) que ficaram mais famosas nos anos 90, mas já eram feitas há muito tempo. A diferença é que aqui, apesar das besteiras de sempre, ainda temos um pouco de inteligência e um lado sensível (sem ser piegas) envolvendo a coisa.

Alguns atores nunca tinha atuado na vida antes, e isso é meio perceptível na tela. Mas, ao mesmo tempo, todos estão tão à vontade nos papéis que tudo soa natural. Por exemplo, a relação entre Dante e Randal, parece mesmo que eles são amigos de longa data.

O Balconista é o perfeito retrato da juventude que entrou na idade adulta sem saber o que fazer, aquela geração que tem empregos e estudo, mas que realmente parece não querer ir para lugar nenhum. Se você assiste esse filme no clima e idade certa vai se sentir estranhamente familiarizado.

E como representação da juventude ávida por drogas e sexo, temos os antológicos personagens de Jay e Silent Bob, interpredados, respectivamente, por Jay Mewes e pelo próprio diretor do filme, Kevin Smith. Os personagens, dois traficantes que ficam parados na frente da loja, ficaram famosos e participaram de outros filmes do diretor, até ganhar seu filme próprio O Império do Besteirol Contra Ataca.

Ah, bom lembrar que alguns filmes do Kevin Smith se passam no mesmo “mundinho”, o chamado  Askewniverse. Por isso é normal ver personagens ou situações sendo citadas ou aparecendo em outros filmes posteriores. Não estranhe se você ver algum personagem citando uma situação desse filme em filmes posteriores como Barrados no Shopping ou Procura-se Amy.

Esse certamente é um dos meus filmes de cabeceira, um tipo de obra que eu recomendo para todos assistirem pelo menos uma vez na vida. Eu simplesmente me apaixonei pelos seus personagens e diálogos deste a primeira vez que o assisti. Considero inclusive um dos melhores filmes americanos dos anos 90 e a obra prima do diretor.

O Balconista foi o primeiro filme de verdade do diretor americano Kevin Smith, gordinho barbudo e eterno nerd. Bancado de maneira independente e gravado na loja onde ele próprio trabalhava. Foi com esse filme que ele ficou conhecido e começou uma carreira de altos e baixos. Feito numa época que o cinema independente americano estava começando a estourar e seus realizadores estavam entrando no estrelado.




Curiosidades

Mesmo com uma mensagem contra o tabaco presente no filme, como numa das primeiras cenas em que um cliente começa um verdadeiro levante contra o fumo. Kevin Smith acabou ficando viciado em cigarros depois das filmagens.

O filme é dividido em nove partes, representando os nove círculos do inferno presentes na Divina Comedia, não é a toa que o personagem principal se chama Dante

O diretor precisou vender boa parte da coleção pessoal de quadrinhos para ter grana para gravar.

Kevin Smith originalmente iria interpretar Randal, esse é um dos motivos dele ter alguma das melhores falas do filme.

O titulo original do filme seria Inconvenience, depois foi mudado para Rude Clerks, até finalmente virar o titulo pelo qual é conhecido hoje em dia.

O Balconista ganhou uma sequencia em 2006

O filme pornô que Randal assiste existe de verdade, mas é sobre bissexuais e não hermafroditas.

O filme acaba praticamente do nada, o que pode deixar algumas pessoas nervosas já que Dante não resolveu totalmente seus problemas. Mas no final original, que chegou a ser filmado, Dante seria morto por um assaltante. 

Boa parte do orçamento foi gasto para pagar as musicas usadas durante o filme.

A palavra “fuck” é dita 91 vezes durante o filme.

Infelizmente até agora o filme só foi lançado em VHS no Brasil, mas vale a pena pegar a edição em blu-ray lançada lá fora. E o melhor de tudo: tanto o filme quanto os vários e interessantes extras estão legendados em português do Brasil!



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